
A energia visceral de uma juventude pós guerra, cheia de sentimentos urgentes para expressar deu origem a um movimento que balança o planeta até os dias de hoje. Ansiosos por dar vazão a uma tempestade de ideias, jovens se espremiam nas garagens americanas e inglesas para fazer um som inspirados no rock´n´roll que, como um bebê demônio, engatinhava pelo mundo assustando famílias de bem.
Parte destas bandas não economizava no crueza dos vocais ensandecidos, nos overdrives e fuzz das guitarras e na urgência da bateria. Para rotular essa turma foi criado o termo Garage Rock, considerado pelos historiadores da música como o proto-punk. Se não dava pra fazer limpo e afinadinho, vamos fazer sujo e barulhento. Mas faremos de qualquer jeito.
Conversamos com Gregor Izidro (DJ Mongobeat, Fuzzfaces, Momento 68 e Gazolines) sobre o assunto e ele nos contou um pouco sobre as origens da porra toda:
O garage rock teve início na primeira metade da década de 1960, após o sucesso dos Beatles e da Invasão Britânica, quando jovens, a maioria adolescentes, resolveram aprender um instrumento e tentar imitar o que aqueles roqueiros distantes faziam em músicas gravadas em estúdio. Um fenômeno inicialmente norte-americano que logo se espalhou pelo resto do mundo.
Uma das coisas mais bacanas desta história é que, de forma incrivelmente contemporâneo para os tempos pré-internetianos, a América do Sul participou de forma ativa desta barulheira. A banda peruana Los Saicos, por exemplo, surgiu em 1964 e fez parte da primeira geração mundial de bandas do estilo, que contava com nomes como The Wailers, Sonics, Music Machine, Count Five, The Rivieras, etc.
No Brasil, a música pop capitaneada pela bossa nova passou para o rock’n’roll na mesma onda. A nova cena musical logo foi envolvida pela Jovem Guarda, divulgando a guitarra elétrica e impulsionando artistas ao estrelato. Mas, correndo por fora, existia mais gente fazendo rock, flertando com a surf music, psicodelia e a música brega.
Reunidos em suas garagens, a juventude cabeluda brasileira fazia como os norte-americanos: tentava emular os ídolos roqueiros de outros países, inserindo também elementos regionais comuns à nossa diversidade musical. Muitas vezes com falta de produção e até talento, usando instrumentos baratos, pedais sem nome e dando gritos fora de tom, mas com ritmos dançantes, riffs poderosos e atitude. A maioria desses conjuntos gravou apenas compactos que ficaram perdidos no tempo, parando nas mãos de aficionados.
Desde então, o país do futebol e do samba tem sido também, o do garage. O estilo, que nunca deixou de pingar nos DJ sets das festas underground, foi ganhando gerações de bandas que mantinham vivas sua filosofia. Hoje em dia, o país tem um status muito interessante. Diversas bandas excursionam pelo mundo levando o garage nacional por ai e construindo a imagem do Brasil como um dos lugares onde tentáculos garage rock bateram pra doer.
Na década de 1990, algumas bandas e artistas brasileiros redescobriram essa sonoridade e estética, e incorporaram elementos em suas músicas, como Júpiter Maçã, The Charts, Gasolines, Ultimates, Autoramas, Thee Butchers’ Orchestra, Os Espectros, Skywalkers, Laranja Freak, Transistors, Os Hipnóticos, Fuzzfaces e Os Haxixins. Alguns desses registros podem ser ouvidos na coletânea de dois volumes Brazilian Pebbles, lançada pela Baratos Afins no início do século 21.
No ano 2000, a gravadora italiana Misty Lane lançou o disco Basementsville vol 2, com bandas como Os Canibais, Os Selvagens, Analfabitles e Os Baobás. No mesmo ano, a alemã Mágica lançou o primeiro de três volumes da coleção Hearts of Stone. Em 2011 foi a vez da Groovie Records de Portugal lançar a coletânea Brazilian Nuggets, que já caminha para o quarto volume.
Muitas bandas continuam na ativa e novas vieram, como Parallèles, Os Estilhaços, The Diggers, e Edwoods. Garage rock, proto-punk, chame como quiser. Um tipo de som cru e primitivo, com melodias grudentas e bom conteúdo harmônico, que muitas vezes evita excessos que tornam outros tipos de rock chatos e entediantes.
O Garage Xmas 2019, organizado pela Agência 55, traz este ano uma mostra muito bem selecionada desta galera. Os Pontas, Mullet Monster Mafia, Autoramas, Time Bomb Girls, Os Haxixins e Momento 68 (com participação espacial do psicodélico Fabio Golfetti).
Separamos dez vídeos indispensáveis para explicar esta história! Nos vemos na Cecília!